Dias (ainda mais) difíceis pela frente

Em abril comprei o farelo de soja para a ração das minhas vacas a 41 reais a saca de 50 kg. Um preço já alto, principalmente por estarmos, então, no auge da safra. Alertado pela gerente da loja da cooperativa que a próxima remessa já viria por incivilizados 53 reais, muni-me de coragem e comprei mais algumas sacas para pagar em maio. Pagamento que acabou saindo em junho... Coisas da vida de produtor de leite que sai da sua rotina de "gastança".

Eventuais olhadas nos noticiários na internet e conversas com alguns vizinhos deixavam-me preocupado. A soja continuava a subir.

Mas, uma coisa é ouvir dizer ou ler a respeito, outra, muito diferente, é aparecer para comprar a soja do mês seguinte, o que vim a fazer num dia qualquer do começo de julho. O vendedor, que me atende há vários anos, olhou para mim com uma cara que misturava tristeza com preocupação e alertou-me:

- Olha, a coisa tá braba, se prepare.

Sorri e disse que não tinha problema.

Vã ilusão. Imaginava algo como 60 reais...

E apareceu na tela do computador, virada para mim, inimagináveis 78 reais. Quase tive um treco qualquer, daqueles de chamar o pessoal do pronto atendimento sempre prontos a salvar vidas e aliviar sofrimentos. Mas não tive. Rapidamente, o vendedor disse que tinha um descontinho e, pelo sim, pelo não, comprei a soja a 74 reais.

Um aumento brusco, repentino, selvagem, completamente irreal de 80,5%!

Misericórdia, 80%?!

Pior: sabia, sem precisar fazer pesquisa que aquele era o melhor - o melhor, pasmem! - preço que eu encontraria na minha região, no interior paulista.

Creio que dois dias depois recebi a nota do laticínio com o valor referente ao leite produzido e entregue no mês de junho. Uma revolta funda, surda, profunda brotou. Os míseros 82 centavos (de real e não de dólar, como bem sabe todo produtor) despencaram para 80 centavos, numa queda de 2,5%. Esse foi o valor base pago pelo meu leite, ao qual foram agregados três bônus por qualidade. Que pouco contribuíram para amenizar de fato o quadro.

Hoje vou comprar soja. O preço de lista é de 80 reais a saca de 50 kg. Negociada, vai sair por 75, com um aumento de 1,4% em relação ao preço de julho e um aumento de 83% em relação ao preço de abril.

Ontem o caminhão "do leite" trouxe a nota do laticínio com o valor pago pelo leite entregue no mês de julho. O valor base despencou novamente, agora de 80 para 78 centavos. De real. Novamente, uma queda de 2,5% no valor.

Entendo que a indústria faz isso por necessidade e não por, desculpem a expressão, sacanagem?

Sim, entendo. Faço uma reclamação formal, meramente para registro da insatisfação. Não tenho ilusões, conheço um pouquinho do funcionamento do mercado e o nosso mercado, o do leite e seus derivados, é um mercado triste. Apesar de produzirmos, toda a cadeia do leite, um alimento indispensável à nossa própria sobrevivência e a uma vida saudável, nosso produto principal é vendido a preço "de pinga".

Pensando bem, antes fosse verdade, pois o "preço de pinga" é muito mais elevado, muito, mas muito mais alto que o preço do leite. E se uma não presta para nada, apenas para desgraçar famílias, o outro é justamente o contrário. Contradições da sociedade em que vivemos.

Então, ficamos assim: a soja está 87% mais cara e o leite 5% mais barato.

Não falei do milho, né?

Precisa? Creio que não, todos sabem que esse produto está com o preço também nas alturas, embora não tanto quanto a soja.

Não mudo minha ração: fubá, farelo de soja, polpa cítrica e núcleo mineral. Não acredito em mudança de fonte de proteínas, pois a soja é insuperável. A única providência foi uma mudança pequena no teor de ureia que já adicionávamos, quando a soja estava cara, muitos meses atrás. Coisa pouca, mas reduz um bocadinho a participação do caviar, digo, da soja no trato das vacas e bezerras. As outras fontes de proteína, além de sujeitas a problemas de fornecimento pela demanda aquecida, também estão caras. Penso que mudar a ração, readaptar os animais a uma nova dieta, depois mudar novamente, nova adaptação, num vai-e-vem chato, caro e pouco produtivo, não é interessante. Andei fazendo umas contas e a economia que eu teoricamente teria, no papel, é pouco significativa.

Estou preso à soja e ao milho. A polpa é boa ajuda, mas por si só não resolve muita coisa, mesmo porque a diferença para o milho é pequena.

Como sabe todo produtor, o concentrado para nossos animais impacta nossa estrutura de custos em 30%. Um pouco menos em meses bons, um pouco mais nos meses de entressafra dos produtos. Não fiz as contas (desculpem, deveria ter feito, mas faltou "tempo") da minha nova estrutura de custos, mas a participação do concentrado aumentou muito, coisa próxima dos 10%, o que é selvagem (fiquei com essa coisa de selvageria na cabeça e agora digito) e perigoso para a atividade.

Enquanto tudo isso acontece, o cidadão urbano lê ou ouve com inveja sobre a felicidade espantosa dos produtores de soja e milho, bafejados por preços extraordinários. Pois é, antes fosse realmente verdadeiro, o que não acontece inteiramente, bem sabemos.

Poucos minutos antes de começar a escrever, acabara de ler o excelente artigo do professor e pesquisador Marcos Fava Neves, com o título "Os impactos da seca", aqui mesmo no MilkPoint.

Assustador.
Se você é produtor de leite e o teu coração não anda lá muito bem, não leia (brincadeira de escritor pobre... leia sim, é muito importante para termos uma visão realmente global da situação).

A reportagem retirada do site MilkPoint.